Vigo, tequilas, pensar melhor e regeneração de negócios.

Me despeço do Porto e sigo em direção à Galícia, uma região no noroeste da Espanha e minha primeira parada é em Vigo, uma cidade litorânea, que me surpreendeu pela bela arquitetura, esculturas integradas ao seu urbanismo, praias, museus, cervejas (sempre cervejas na Espanha), festas, shows e um povo muito hospitaleiro.

Irei morar em um apartamento muito bem localizado , perto do centro histórico, que se chama Casco Velho, com ruas medievais, tabernas, igrejas e muito próximo da orla.

Meu anfitrião é um venezuelano que vive na cidade há 5 anos e extremamente gentil.

Com ele aprendi muito sobre a situação na Venezuela, investimento no mercado financeiro e até um pouco de espanhol.

O apartamento é um achado e eu sou primeiro hóspede. Dei muita sorte.

Minha filha , que está me acomodando na cidade pois a conheceu antes de mim, inicia a trajetória para um miradouro ou mirante chamado Castro. Além de um bonito lugar, a vista é incrível.

Sempre a ensinei a chegar em uma cidade e procurar um lugar no alto para reconhecê-la de cima e lá está ela me ensinando minha própria lição. Isso é uma das melhores coisas que existem quando falamos de filhos e de equipes. Quando as pessoas que estão em projetos com você estão vivendo a cultura que você implementou.

Para mim, é o maior poder de uma organização, capaz de sobreviver a crises graves e a conquistar lugares jamais pensados. Já dizia o mestre Peter Drucker, a cultura devora a estratégia no café da manhã.

Sem uma cultura aderente, nenhum propósito ou estratégia flui.

Uma vez, uma pessoa me perguntou como fazer o filho dela ler. Eu respondi, leia ao lado dele. Coloque livros pela casa. Seja a mudança que quer ver nele. E se suas ações forem positivas na vida, se comentar com ele com brilho nos olhos sobre coisas que leu, ele vai ser naturalmente atraído pela leitura. O foco sempre segue o interesse e o interesse sempre segue o prazer ou o ganho. Ela me olhou e pela sua expressão imagino que não tenha seguido meu conselho. Não se cria uma cultura com palavras, mas com comportamentos e exemplos.

Bem, voltando à Vigo, fui com minha filha aos museus, praias, restaurantes e ela seguiu para sua nova casa no Porto, onde iria viver a sua primeira aventura de morar sozinha. Estávamos nos “dividindo” para “multiplicar” naquele momento. Foi assim que entendemos e foi assim que aconteceu. Hoje ela vive em Aveiro, sendo uma adulta funcional.

Comecei a descobrir os cafés de Vigo, onde aproveitava para escrever. Estava em um momento de colocar as ideias no papel e gosto muito de fazer isso cercado de gente, com música e vida acontecendo. Consigo me concentrar muito bem em qualquer lugar. Lá , trabalhei na praia, em casa, em cafés, em praças, em supermercados, em shoppings e em todos os lugares que me faziam experimentar a cidade e cumprir minha agenda sempre movimentada.

Os meus lugares preferidos foram o Maracaibo, um café com arquitetura antiga servido por dois espanhóis que pareciam o conceito do guarda bom e guarda mau. Um era muito simpático e outro bastante grosseiro, o que exercitava em mim ser educado com os dois já que minhas atitudes não dependem do outro, mas dos valores que escolhi viver. Com o tempo, o guarda mau ficou meu amigo e confirmou a tese de que modificamos o meio com as nossas atitudes ou somos modificados por ele.

Ao lado, o Vitruvia, um café sofisticado, bem decorado, com um belo piano e ótimos drinks. O Vitruvia patrocinava eventos de jazz e música clássica na praça Compostela, em frente, e essa região virou um dos meus lugares preferidos.

Perto dali, a marina com uma temperatura muito agradável no verão e suas festas e shows que inundavam de gente. Do outro lado, o Casco Velho e sua arquitetura medieval.

Uma cidade realmente muito boa de viver e de turistar e que me fazia sempre pensar que o Brasil é um país incrível, impedido de ser ele mesmo, por tantas contradições. Sempre penso isso quando me deparo com um lugar que sabe conjugar beleza natural, alegria e segurança na mesma frase.

Dias depois, recebo um amigo que não via há muito tempo, tão bom de gastronomia, quanto louco e inteligente. Às vezes mais louco do que as outras coisas. Estava em Portugal e quando soube que eu estava em Vigo, pegou o trem e veio para ver a terra das “mulheres de Vigo” de Chico Buarque. Eu trabalhava de dia, e de noite, percorríamos as vielas medievais com suas surpresas a cada curva. O verão é um estado de espírito e quando essa estado é adicionado por tequilas, músicas e férias, boas histórias acontecem. Entre uma diversão e outra, debatíamos muitas ideias já que meu amigo havia formado opiniões muito concretas sobre coisas que eu via de outra forma. Eu estava lendo o livro “Pensar Melhor”, do Adam Grant, um psicólogo americano que discorria sobre como engessamos nossos pensamentos e como é muito melhor quando abrimos a mente para novas compreensões. Um dos pontos altos do livro é a sugestão de quando discordar de alguém, não se concentrar nos argumentos para vencê-lo, mas nas perguntas para entender porque ele pensa daquela maneira. Não quer dizer concordar, mas se abrir para o diálogo. E ao fazer isso, poder fazer o outro também se questionar porque ele está pensando de uma determinada maneira. Comecei a praticar essa técnica com meu amigo, o que era um desafio pela sua inteligência , loucura e algumas tequilas a mais.

Realmente entendi muitas das suas posições e formulações de pensamento que não havia percebido, assim como ele desconstruiu muitas coisas que limitavam a sua visão. Após uma semana nessa dinâmica, ele partiu para a namorada que havia chegado em Lisboa e eu me concentrei no meu novo desafio, que era reestruturar dois novos clientes com excelentes ideias e criações, mas com situações financeiras muito complicadas.

Minha equipe no Brasil iniciou a construção do sistema de informações necessárias para entendermos a gravidade do problema e principalmente os planos de ação para revertermos o processos e regenerarmos os negócios.

A primeira coisa que é necessário ver é a margem bruta ( venda- compra ou venda- produção ) dos negócios comparados com o segmento em que atuam.

Depois representatividade de cada despesa com receita e com a estratégia do negócio, o fluxo de caixa, endividamento / receita, endividamento / lucro, clientes novos, recorrentes, preço médio, ticket médio e outros tantos indicadores que influenciam a sustentabilidade e viabilidade do negócio.

Paralelo a isso, o desafio é entender a cultura e liderança da organização. Quem está determinando as ações, que visão possui sobre o problema e quanto essas pessoas estão dispostas a mudar a realidade, mudando a forma como vêem e agem. Mais uma vez, o livro do Adam Grant me ajudou, agora não mais entre tequilas e um amigo louco pelas ruas medievais do Casco Velho de Vigo, mas nas sessões e reuniões carregadas inicialmente de preocupação e incertezas.

Aos poucos, as reuniões foram ficando mais leves, com mais clareza sobre o que fazer e o efeito das decisões e ações. Como é bom ver e participar de algo se regenerando e o quão é importante deixar um legado de que nunca se deve menosprezar a necessidade de olhar finanças de uma empresa ou pessoais com clareza e que pensar melhor é fundamental sempre.

Vigo, uma cidade incrível, que me acolheu, iluminou e principalmente me fez sentir em casa, me ensinando a ser melhor como cidadão, amigo e profissional.

Viva a Galícia e sua magia…um dia eu volto!