Minha segunda casa em Lisboa foi um hotel boutique com 20 quartos no centro histórico da cidade a um preço mensal incrivelmente baixo. Estávamos em plena pandemia e a solução de alguns hotéis foi alugar os quartos durante períodos longos a um bom preço.
Lá, fui o primeiro hóspede-morador. Morar em um hotel super decorado e bem localizado com um preço inacreditável e absolutamente sozinho era uma experiência fora da curva, mas naquele momento o “tabuleiro”do jogo estava totalmente desmontado e a criatividade de quem estava jogando era o que importava. O objetivo do hotel era arcar com os custos fixos e o meu era aproveitar a oportunidade que havia ali.
Durante os dias e meses seguintes fui recebendo os novos hóspedes ou companheiros de moradia. Uma surfista nascida na Sibéria e falando um português perfeito foi a primeira a chegar. Nos nossos cafés da manhã (acordávamos no mesmo horário), descobri que trabalhava para o Facebook e que tudo nela era linear, clean, organizado. Me inspirava a começar o dia com padrão alto de organização.
Logo depois, um menino italiano que havia estudado engenharia de produção em Roma, Barcelona e agora Lisboa chegou e se tornou minha conversa política na madrugada, sempre regada a bons e acessíveis vinhos portugueses. Seu objetivo era trabalhar na logística de projetos humanitários. Uma grande pessoa.
Em seguida, uma jornalista, especialista em marketing digital e
sobretudo amadora de vinhos e um alemão amante de festas, música eletrônica e funcionário do Google deram um tempero especial ao ambiente.
E assim foram chegando a menina Síria – Alemã, o advogado do Timor Leste, o português ex-milionário e como um time, as nossas vidas e táticas foram se entrosando.
É interessante quando se chega da rua, alguém em casa se transforma em família e de repente nos preocupamos uns com os outros e de vez em quando até brigamos, como toda família.
Tenho boas lembranças desses momentos diversos e incríveis.
Mas meu objetivo era o Porto. Havia vindo em 2018 e na minha memória, a cidade tinha algo que eu precisava vivenciar.
Fechei a conta, peguei o trem e parti para o Porto.
Uma GuestHouse, na beira do Rio D’ouro de 3 andares e 4 quartos me esperava.
Selecionei com muito cuidado e tudo muito bem-negociado naquele momento.
Só não contava com 2 dias depois da minha chegada, o país implementar o segundo lockdown. E aqui só era permitido ir ao supermercado, andar, correr ou passar com um cão. Para intensificar o processo de solidão, enfrentei o maior frio dos últimos 10 anos e meu quarto, apesar de amplo e com uma bela varanda, era extremamente frio, sem que dois aquecedores dessem conta.
Assim é a vida. Uma hora você encontra o paraíso e aí você toma uma decisão e encontra o oposto. Mas também é aí que você começa a se reconhecer. Comecei a correr todos os dias, meditar, ler e trabalhar em projetos que não tinha tempo. Aprendi a me aquecer de uma forma eficiente e me fortaleci na simples escolha de me adaptar.
Logicamente, depois de um tempo, retornei para minha “família” naquele hotel e vivi algum tempo mais em Lisboa para depois retornar ao Porto e daqui sair para outras cidades, sempre retornando feliz de tê-lo feito.
Se você pensa em se tornar nômade, eleja uma cidade que seja o seu porto seguro. Você precisará estar em um lugar que conhece melhor, que se sente mais em casa e que pode equilibrar um pouco as coisas, quando for necessário.
Em breve, deixarei o Porto rumo a outra cidade. A mudança precisa também ser provocada por nós e como toda mudança, trará desorganização, coisas diferentes e talvez até um certo desconforto. Para mim, seja na vida ou nos negócios, a capacidade de navegar nas ondas das mudanças, aceitando que elas existem e aprendendo a se equilibrar nelas, é a mais importante a ser desenvolvida.
Não conseguimos parar a tecnologia, a história, a morte, o envelhecimento, a concorrência e tantas outras coisas necessárias para o equilíbrio.
O que precisamos fazer é assumir o protagonismo da mudança. É deixar de olhar o passado com saudosismo e as diferenças do presente como ameaças.
Nós interpretamos e significamos tudo o que acontece. Esse é o nosso poder.
“A melhor maneira de prever o futuro é construí-lo”, essa frase de Peter Drucker, uma das mais interessantes mentes que puder conhecer, vai ao encontro do design de futuros, uma das técnicas que utilizo nos exercícios de mentoria.
Mas só se pode desenhar o futuro se olharmos para ele com mente aberta e protagonismo. Nunca será perfeito e totalmente seguro, mas pode ser revelador, intrigante e surpreendente, assim como uma boa viagem, com perrengues, descobertas e evolução!
Até a próxima!